
Por Karen Cardial
No compasso da alfabetização, há mais do que letras e sons sendo decifrados. É no intervalo entre uma palavra e outra que muitas crianças indicam, com o corpo ou com o silêncio, que algo as impede de aprender. E, quase sempre, não se trata da falta de uma competência cognitiva, mas de algo anterior: insegurança, medo, rejeição. Emoções que passam despercebidas, mesmo quando têm nome, peso e forma.
“O cérebro é programado para o pertencimento e a aceitação. As crianças, em especial, buscam essa aceitação como forma de se sentirem seguras e protegidas”, explica a psicóloga Júlia Pedroni, especialista em Neurociências, Educação e Desenvolvimento Infantil pela PUCRS. Devido à imaturidade neurológica, elas dependem ainda mais do apoio dos outros, e quando suas emoções são ignoradas, sentem-se rejeitadas e entram em estado de alerta – o que se traduz em sintomas como agitação psicomotora, irritabilidade, ansiedade, isolamento e dificuldades de aprendizagem, frequentemente confundidos com indisciplina ou desinteresse, esclarece a especialista.

“Quando suas emoções são ignoradas, o corpo da criança fala por ela, e a aprendizagem se retrai.”
A Base Nacional Comum Curricular reconhece o desenvolvimento socioemocional como parte da formação integral, mas ainda há resistência institucional, familiar e cultural para que tal constatação se traduza em práticas concretas. Júlia aponta a falta de informação e o desinteresse social pelo tema como alguns dos principais entraves. “O comportamento infantil continua sendo, em muitos casos, interpretado como algo a ser punido, não compreendido”, afirma. A ausência de envolvimento familiar também pesa, continua. “Muitas crianças saem da escola e retornam a ambientes familiares conturbados, passam horas em frente às telas e não recebem acolhimento nem limites consistentes. Como consequência, encontramos educadores sobrecarregados e desmotivados”.
“O comportamento infantil continua sendo, em muitos casos, interpretado como algo a ser punido, não compreendido.”
Para a psicóloga, o cuidado emocional não exige programas estruturados. Está na intencionalidade do cotidiano: no cumprimento no início do dia, na paciência diante de um pedido de ajuda, na leveza do processo, no elogio pelo esforço e até em um abraço inesperado. “A criança observa o adulto o tempo todo e busca reconhecimento. Quando não encontra um adulto emocionalmente disponível, manifesta sua frustração da maneira que consegue.”
Em uma de suas experiências como psicóloga escolar, Júlia acompanhou o caso de uma criança de sete anos com dificuldades de leitura e escrita. Avaliações descartaram transtornos, e o contexto familiar era estável. Aos poucos, descobriu-se que a estudante era intimidada por colegas mais velhos, que tomavam seu lanche e a ameaçavam durante o recreio. Com medo, seu cérebro se mantinha em estado de alerta, o que inviabilizava o aprendizado. “A solução não estava em reforço escolar, mas em escuta e proteção. Para que uma criança se concentre e processe as informações, ela precisa sentir-se segura. Sem esse olhar socioemocional, qualquer trabalho pedagógico fica incompleto”, alerta Júlia.
As experiências vividas nos anos iniciais da infância têm papel fundamental na estruturação do cérebro. “Não há nenhuma fase da vida tão sensível e vulnerável às influências do ambiente quanto essa. Intervenções pedagógicas se revelam superficiais quando não consideram as emoções subjacentes às dificuldades de aprendizagem.”
Para além de episódios individuais, a psicóloga defende que o desenvolvimento socioemocional seja parte estruturante da rotina escolar, já que atividades isoladas não produzem efeitos duradouros. “A aprendizagem emocional exige prática e consistência”, pontua.

“Relações pedagógicas marcadas por empatia e vínculo sustentam a atenção e ampliam a capacidade de aprender.”
Ela recomenda, por exemplo, rodas de conversa diárias, em que as crianças possam partilhar como estão se sentindo. Leitura de livros com temáticas emocionais ajuda a identificar sentimentos a partir das histórias. Combinados coletivos, construídos em grupo, fortalecem o pertencimento e a corresponsabilidade. Escalas de humor permitem sinalizar o estado emocional logo na chegada, e jogos cooperativos desenvolvem empatia e escuta.
A técnica da atenção plena (mindfulness, em inglês) também pode ser inserida entre uma atividade e outra, com cinco minutos de respiração e escuta do corpo. “Essas práticas contribuem significativamente para a organização cerebral em desenvolvimento das crianças, tornando-as menos reativas e mais assertivas.”
Grande parte da insatisfação dos professores em relação à aprendizagem poderia ser bastante reduzida com o investimento em desenvolvimento socioemocional dos estudantes, afirma a psicóloga. “Para isso, no entanto, é preciso que o tema deixe de ser cartaz na parede ou tarefa de uma aula isolada. É preciso que seja cultura”, finaliza.