
Por Karen Cardial
Resolver problemas é uma habilidade que molda trajetórias − dentro e fora da escola. A diferença entre o estudante que improvisa soluções frágeis e o que enfrenta desafios com lógica, criatividade e estratégia começa cedo e de forma imperceptível. Mas as ações desses estudantes determinam sua vida adulta. O raciocínio estruturado que organiza o pensamento para decompor situações, identificar padrões e criar soluções eficientes é a essência do pensamento computacional.
Segundo Gustavo Cardial, professor e coordenador do curso superior de Tecnologia em Sistemas para Internet do Instituto Federal do Acre (IFAC), o pensamento computacional é frequentemente confundido com o ensino de programação ou de tecnologia, mas ele vai muito além disso.
No dia a dia escolar, essas competências surgem cedo, ainda que de forma intuitiva. “Quando uma criança resolve um problema simples de matemática − como descobrir quantas frutas sobraram após João dar maçãs e laranjas para dois amigos −, ela exercita a decomposição do problema (entendendo que são dois grupos de frutas separados) e a abstração (ignorando o nome dos colegas para focar apenas as quantidades)”, ilustra o especialista.

“O pensamento computacional não nasce da tecnologia: ele transforma o modo humano de enfrentar desafios desde a infância.”
A capacidade de abstrair é um dos pilares do pensamento computacional − e sua importância cresce em um mundo saturado de informações. Para explicar a diferença que a abstração faz, Cardial cita o exemplo do mapa do metrô de Londres. Em seu formato original, as linhas seguiam a geografia real da cidade, com curvas complexas e distâncias desiguais entre as estações − um mapa caótico e difícil de interpretar. Um artista, encarregado de redesenhá-lo, aplicou o princípio da abstração: eliminou as distorções geográficas, padronizou distâncias e simplificou as linhas em direções verticais, horizontais e diagonais. “O que importava não era a geografia exata, mas o percurso: para onde as linhas levavam e quais eram as conexões. Ao aplicar a abstração, ele tornou o sistema compreensível e funcional”, exemplifica Cardial.
Essa lógica de raciocínio estruturado − decompor, abstrair, identificar padrões e criar algoritmos (o passo a passo para a solução) − é a mesma que estrutura o pensamento computacional. Não é um conteúdo reservado às aulas de informática e deveria atravessar todas as áreas do conhecimento. “A matemática é um terreno natural para desenvolver essas habilidades, mas a arte, a linguagem e as ciências também oferecem possibilidades enormes, desde que sejam trabalhadas com intencionalidade”, defende.

“Abstrair é identificar o essencial e descartar o ruído − uma habilidade que distingue quem aprende a criar soluções e quem apenas repete respostas.”
Apesar de sua importância, o pensamento computacional ainda é visto como algo periférico em muitas escolas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já aponta sua relevância, incluindo-o como uma das competências digitais, mas sua implementação é desigual. “Falta clareza até entre profissionais da computação sobre o que realmente é pensamento computacional. Muitos aplicam sem saber nomear. E isso torna ainda mais difícil disseminar de forma estruturada na educação básica”, analisa o professor.
“Ignorar o raciocínio estruturado é preparar estudantes para serem reféns de decisões que não sabem questionar.”
“O preço dessa negligência é alto. Ignorar o pensamento computacional hoje é formar estudantes que sabem repetir fórmulas, mas travam diante de problemas reais”, afirma o especialista.
A boa notícia é que a escola não precisa de laboratórios de última geração para começar. Problemas contextualizados, debates de lógica, atividades interdisciplinares e a simples mudança de olhar para o ensino − valorizando a construção do raciocínio, e não apenas a memorização − já fazem diferença.
Ensinar pensamento computacional é formar estudantes com pensamento crítico e autonomia para resolver problemas. A enxergar padrões, a estruturar ideias, a propor soluções próprias − habilidades humanas que, na era dos algoritmos, nunca foram tão necessárias.
Como a sua escola tem trabalhado o raciocínio estruturado dos alunos?
Que atividades você já desenvolveu que promovem esse tipo de pensamento?