
Enquanto o novo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação) não é finalizado pelo Inep, órgão responsável pela elaboração do indicador, escolas e redes públicas brasileiras se preparam para a realização das provas de 2025 do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que serão ministradas no final do ano.
As notas do Saeb nas disciplinas de língua portuguesa e matemática compõem, ao lado dos indicadores de fluxo (aprovação dos estudantes) o número final do Ideb. Elas são aplicadas no 2º, 5º e 9º ano do ensino fundamental e 3º série do Ensino Médio das redes públicas. Há expectativa se as provas de ciências da natureza e ciências humanas, aplicadas de forma amostral para o 9º ano nas últimas edições, passarão a censitárias e se estenderão também ao ensino médio.
Criado em 2007 a partir das notas da Prova Brasil de 2005, o Ideb integrou metas de desempenho para os sistemas e escolas públicas, que deveriam alcançar a nota 6 até o ano de 2022, data que fechou o primeiro ciclo de acompanhamento da educação pelo indicador.
Atingir as notas preestabelecidas para cada escola e sistema com um instrumento que permite uma visão temporal da evolução de nossa educação permitiria comparar o desempenho dos alunos brasileiros a padrões internacionais, o que seria decorrência da adoção da TRI (Teoria da Resposta ao Item), também usada em avaliações como o Pisa, utilizado pelos países da OCDE e outros que aderiram à prova.
Mudanças necessárias
Passados 18 anos da integração do índice e outros 35 das primeiras avaliações do Saeb, é consenso entre educadores e especialistas em avaliação que tanto um como outro precisam de mudanças. No caso do Ideb, os dois indicadores que compõem o índice, apesar de seu mérito de fácil inteligibilidade, dão uma visão limitada da educação, por não levar em conta questões como equidade e outras disciplinas, por exemplo. Já o Saeb precisa terminar de atualizar suas matrizes de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e formular novos itens com níveis de dificuldade maiores do que os atuais.
O Saeb, é bem verdade, vem mudando bastante ao longo dos anos, com a inserção da TRI em 1995, de matriz própria em 1997 e de avaliações censitárias em língua portuguesa e matemática a partir de 2005, entre outras

“O Saeb é um marco no processo da educação brasileira. Permitiu ter uma avaliação nacional de aprendizagem. O que questiono é considerar como qualidade da educação apenas a parte cognitiva e não valores, como empatia,”, diz Wolney Mello, cuja tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação da USP, trouxe um resultado interessante.
Ele retrabalhou os resultados obtidos pelo 9º ano de 640 escolas municipais paulistas em 2013, com uma maneira diferente de calcular as notas de cada aluno. A própria TRI embute uma “imprecisão de medida, que é a maneira de se calcular a incerteza daquela proficiência”, que é estimada. Usando esse instrumento, ele recalculou as notas de cada aluno e chegou a novas médias. “Uma de cada três escolas mudava de status em relação à meta. E isso significa dinheiro para as redes”, diz.
Ernesto Martins Faria, diretor fundador do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) aponta um grande descompasso entre os resultados do Saeb e Ideb em relação a avaliações internacionais como o Timms (matemática e ciências, 4º e 8º anos do Ensino Fundamental) e Pirls (leitura, 4º ano).

“Essas avaliações, assim como o Pisa, exigem mais habilidades, pedem que o aluno faça inferências, têm uma demanda cognitiva maior. Por isso, muitas escolas brasileiras que estão com notas altas no Saeb/Ideb, 9 e 10 como resultado, acabam indo mal no Timss”, explica o economista e pesquisador.
Ou seja, nossas avaliações pedem operações muito explícitas e cruzam poucas habilidades ou exigem uma única habilidade por questão.
Para o especialista, as redes e escolas tem de buscar um olhar mais amplo do que os resultados do Ideb. É preciso definir qual aprendizagem se quer obter e tentar não se submeter a pressões políticas, pois o Ideb alto passou a ser valorizado por gestores educacionais e prefeitos.
Martins Faria alerta que dessa forma o combate às desigualdades sociais torna-se mais difícil e que avaliações mais exigentes poderiam auxiliar na questão da equidade. “Isso daria mais chances de os alunos das escolas públicas competirem com alunos de escolas privadas, que não se baseiam no Saeb. Não dar oportunidade de um desenvolvimento cognitivo que envolva questões mais complexas significa um limite para esses estudantes”.
O Movimento Todos pela Educação também sinaliza para a importância de o Ideb incorporar fatores que tragam uma visão mais realista da escolaridade em geral. Uma delas é olhar para os estudantes que estão fora da escola por abandono ou evasão. Eles deveriam também fazer parte do índice, senão da escola ou da rede, um índice da cidade ou território, como propõe (entre outras coisas) o ex-presidente do Inep Francisco Soares, membro de um grupo de assessoramento do órgão para a reestruturação do Ideb.

“Isso serviria também para evitar a prática do gaming, usada por algumas redes”, diz Bernardo Baião, coordenador de Políticas Educacionais da entidade. A prática do gaming refere-se a estratégias usadas por algumas redes de ensino para manipular os resultados das avaliações externas, como dispensar estudantes com baixo desempenho no dia da prova ou focar excessivamente no treinamento apenas para o exame, em vez de um aprendizado contínuo. Ele também aponta a questão das médias, defendendo que se olhe para os diferentes níveis de proficiência, para uma análise melhor do que trabalhar com o resultado da prova.
“É importante trabalhar nas secretarias com equipes preparadas pedagogicamente para que, a partir dos resultados, se veja o que incluir na formação continuada dos professores”, diz Baião.
O que pode ser feito para melhorar a avaliação da educação?
Wolney Mello, que é também professor de física de uma escola privada, auxilia a direção nas avaliações internas. Ele relata que, a partir deste ano, o “Testão” que seu colégio aplica para todas as disciplinas deverá focar em ao menos duas habilidades em cada questão. “Vamos sistematizar melhor a avaliação dos resultados de aprendizagem. O Ideb tem de levar em consideração as quatro áreas do conhecimento e os erros de medida”, completa.
O educador também refuta a ideia de atrelar bônus e premiações aos resultados de provas, o que, diz ele, favorece a mentalidade de “treinar os estudantes”. “Acabamos não medindo o raciocínio lógico, a capacidade de abstração e a variedade de soluções para um mesmo problema”, diz.